

Um pouco atrasada, mas jamais poderia deixar de prestar mais essa homenagem aos nossos grandes mestres!
Há um ano atrás, falei do céu azul maravilhoso, da arquitetura leve e inédita que temos o prazer de presenciar todos os dias. Doce privilégio de nós arquitetos, que temos o poder de delinear a continuidade da cidade planejada, de ajudar a construir o futuro de quem vive e de quem vai viver aqui.
"Quem mora numa superquadra do Plano Piloto tem de acordar todo dia, abrir a cortina e agradecer ao nosso senhor Lucio Costa por ter lhe concedido, generosamente, o privilégio de morar num lugar inventado como um presente da natureza e da civilização para seus moradores. As superquadras são o prato principal do banquete que o doutor Lúcio preparou para quem escolheu viver em Brasília.
Ele queria uma cidade que tivesse a envergadura de uma capital - por isso a Esplanada, os Três Poderes, a monumentalidade das áreas destinadas a abrigar a burocracia do Estado. Mas queria também uma cidade acolhedora, bucólica, docemente interiorana, porém, intensamente pensada e planejada para o bem estar de quem nela vivesse.
Primeiramente, doutor Lucio traçou o Eixo Monumental. "Mas para a cidade funcionar tem que ter habitantes, os burocratas, eles têm que morar. Então achei claro criar um outro eixo ortogonal - perpendicular ao primeiro - que seria meio curvo para adaptar-se aos limites da área, da topografia do terreno", contou ele em uma entrevista à pesquisadora Ana Rosa de Oliveira, em 1992. Estavam traçados o Eixão e os Eixinhos.
"Aí surgiu um problema: como conciliar a escala residencial, ao longo desse eixo, com a escala monumental do eixo principal?" Pergunta fundadora, que teve como resposta aquela que é considerada a melhor invenção de Lucio Costa, as superquadras.
Acompanhe o racioncínio ide doutor Lucio: "Então me ocorreu a idéia de construir quadras grandes, que eu chamei de superquadras - pois as quadras normais têm de 150 a 200 metros quadrados e eu propus quadras de 300 metros quadrados, formando assim uma cadeia, sequência onde eu preservei vinte metros de toda a periferia das quadras quadriláteras para plantar dois renques de árvores, que com o tempo, formariam uma verdadeira muralha verde, definindo a quadra."
E veja que descrição mais lírica das fileiras de árvores que hoje cumprem o destino desenhado por doutor Lucio: "Era diferente da muralha medieval de pedra,era uma muralha verde que se mexia com o vento, uma muralha viva, você vendo através dos troncos." O sonho-superquadra de Lucio Costa ia mais longe do que a realidade pode dar conta: "Cada quatro quadras constituíam uma área de vizinhança, quer dizer, com as facilidades de comércio local: igreja, cinema, colégio secundário, escola primária estariam dentro de cada quadra." A área de vizinhança só existe nas 108/109, 308/309 sul. Foi preciso sonhar com arrojo e ousadia para que a realidade, na sua inevitável aterrissagem, pudesse concretizar pelo menos parcialmente a utopia do doutor Lucio.
As superquadras, com os pilotis que são ao mesmo tempo o quintal das crianças, o ponto de encontro dos adultos e a calçada pública dos pedestres, são a solução de moradia onde o sentido de coletividade sopra aos quatro ventos. Onde não há muralhas segregadoras e sufocantes. Onde as árvores e os passarinhos invadem a janela, onde quem quiser que escolha seu próprio percurso de pedestre, porque o chão está (ou deveria estar) desprovido de obstáculo, onde o comércio é logo ali, onde a vida é muito mais humana. É ou não é um privilégio?"
Só em caso de amor - 100 Crônicas para conhecer Brasília, de Conceição Freitas
Parabéns, Brasília!