Legorreta, Harmonia e Beleza

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Vasculhando e pesquisando para o próximo projeto, tive o prazer de encontrar uma entrevista entitulada "Sem harmonia não há beleza", de Ricardo Legorreta para a revista ProjetoDesign/ARCOWEB/2007, que eu não conhecia. Ele fala sobre seus projetos, sobre Brasília, sobre o Pritzker de Niemeyer - em que foi jurado, sobre Charles Moore, Louis Barragan, cores, épocas..
As obras de Legorreta são marcadas por cores intensas, luzes, ambientes conjugados à natureza e uma qualidade extraordinária. Vale a pena conferir o trabalho da dupla LEGORRETA + LEGORRETA, pai e filho.





















South Texas Institute of the Arts, Corpus Christi - Texas, EUA















Conjunto Papalote, Vale de Bravo, México


Por Evelise Grunow e Fernando Serapião
Publicada originalmente em PROJETODESIGN
Edição 333 Novembro de 2007

O senhor se sente mais seguro trabalhando com a grande ou com a pequena escala?
Não tenho preferência por nenhuma das duas. Estou acostumado a transitar entre ambas, por causa da cultura mexicana. É bastante comum ver no México grandes praças inseridas em áreas pequenas. Embora a escala possa variar muito em função do programa, acredito que os desafios da arquitetura são iguais em ambos os casos. Na grande escala, corre-se o risco de perder a proporção; na pequena, o perigo é perder o humanismo e a imaginação.

Sua arquitetura tem afinidade com a grande escala do México?Sim, considerando desde a época pré-colombiana.
Costumo dizer que no México somos irresponsáveis com a escala, porque estamos habituados a espaços muito grandes. Essa é a tarefa da era contemporânea: manter tal cultura em meio aos espaços pequenos.

Enrique Norten, por exemplo, é expoente de uma arquitetura mexicana ou internacional?
Internacional.

O senhor gosta do trabalho dele?
Acho que é um caminho. Contudo, me parece mais interessante quando a arquitetura corresponde a um lugar, o que é até mais difícil de realizar.

A proximidade com os Estados Unidos é um problema para a arquitetura mexicana?
Certamente. É um problema porque o domínio econômico, comercial e até empresarial é demasiado forte. Então, há grande tendência de grupos se unirem e se desenvolverem como nos Estados Unidos, embora nossa cultura seja completamente diferente da deles. Por outro lado, há uma oportunidade da qual poucos arquitetos mexicanos se deram conta: podemos invadir os Estados Unidos com a nossa cultura. Por isso me parece mais interessante trabalhar com as raízes mexicanas, que nos abrem mais possibilidades. Curiosamente, nunca tivemos tanta demanda para trabalhar nos Estados Unidos como agora, em plena época de globalização. Pelo clima, a costa oeste é a que mais nos convida a projetar, embora tenhamos feito trabalhos em Chicago, por exemplo, onde desenhamos os dormitórios da universidade.

Que acha da arquitetura brasileira?
É maravilhosa. Noto uma liberdade que não existe em muitos outros países, além do que os arquitetos brasileiros conhecem seu ofício, são disciplinados. Em geral, a cultura brasileira é muito alegre. Nós, mexicanos, temos os mesmos problemas que vocês, enfrentamos agudas diferenças sociais, econômicas, problemas com corrupção. Contudo, somos naturalmente trágicos, somos tristes. E mais: os brasileiros têm um conceito de excelência que está se perdendo em todo o mundo. Quando vocês decidem alcançar a excelência, conseguem de forma impressionante. Nós, por outro lado, recebemos a influência dos Estados Unidos, somos influenciados pelo business, pelo conceito de negócios, mas a autêntica excelência não é a característica daquela cultura.

Fale um pouco sobre seus trabalhos no Brasil.
Fiz três casas, em São Paulo, Matão [região central paulista] e Barra do Una [praia em São Sebastião, litoral norte de São Paulo]. Na Bahia também há uma casa, mas a construção ainda está começando. Os lugares são maravilhosos e os clientes estão entre os melhores que já tive, por causa do diálogo que estabelecemos. Não é possível fazer um bom projeto sem um bom cliente. E o bom cliente não é aquele que diz sim a tudo, mas aquele que verdadeiramente se envolve com o projeto.

Como é trabalhar à distância?
É muito parecido com o trabalho dentro do escritório. Primeiro, não faço nada assim que me contratam, passo um tempo simplesmente considerando as idéias que surgem em torno do projeto. Começo a refletir sobre coisas diferentes, cerco-me de livros - não necessariamente de arquitetura -, e isso me ajuda a formar o que chamo de filosofia do projeto. O que quero fazer, de que necessita o cliente, como o entendo, e em nenhum momento penso em impor-lhe algo ou dizer-lhe como deve viver. Preciso entender como ele vive e solucionar o projeto para torná-lo ainda mais feliz. E, então, começo a fazer os primeiros croquis, manualmente, sem escala.

Mas deve haver alguma diferença.
Sim, é claro. Quando trabalho à distância, por exemplo, procuro a colaboração de um arquiteto local, mesmo se for no México. O computador facilita muito. Estamos desenvolvendo um projeto em Catar [no golfo Pérsico], por exemplo, e nos comunicamos por teleconferências. Todavia, digo sempre aos jovens que um dos perigos do computador é o conceito de escala. Sua tela é pequena, perde-se o conceito de conjunto se você se concentra apenas no pequeno detalhe. Mas o trabalho de arquitetura continua sendo muito pessoal. A troca de culturas é maravilhosa, mas tem seus problemas: tive apenas 15 minutos em Catar para apresentar o projeto. Cada vez que recebo um convite, o desafio é como fazer para ir contra o vício da chamada arquitetura internacional, ou seja, não impor arquiteturas.

O senhor integrava o júri do Pritzker em 1988, quando Oscar Niemeyer compartilhou o prêmio com Gordon Bunshaft. Pela primeira vez a premiação foi dividida. Como isso aconteceu?
Quando fui convidado a integrar o júri, protestei, porque a informação estava muito limitada, circunscrita ao Museu de Arte Moderna de Nova York. Não se levava em conta o resto do mundo. Eu lhes perguntei por que olhavam somente para o leste e o oeste, por que não se interessavam pelo sul, pela América Latina, e me responderam: “Mas o que há lá?”. Chegamos, então, a Oscar Niemeyer, que foi premiado logo no primeiro ano em que o indiquei.

Por que a divisão do prêmio?
Naquela ocasião, em que se comemoravam os dez anos do prêmio, pensamos em eleger dois arquitetos. Não houve, todavia, uma razão especial. Mas Niemeyer é o único que conheço a não comparecer à premiação, porque a cerimônia era realizada nos Estados Unidos. O importante é que a partir daí o Pritzker se abriu a muitas partes do mundo. Depois veio Siza [Álvaro Siza, em 1992], também proposto por mim ao júri, e agora Mendes da Rocha [em 2006]. O interessante é que os jurados decidem e a família [Pritzker] respeita, não intervém.

E quanto a seu Pritzker?
Não sei nada sobre isso.

Como foi o início de sua carreira?
Trabalhei durante 12 anos com [José] Villagrán [1901-82]. Éramos 15 arquitetos no escritório, entrei como desenhista e terminei como sócio. Com ele aprendi o ofício, a disciplina, a ética, a filosofia, tudo o que agora se perdeu na arquitetura. A educação se descuidou disso. Somos arquitetos, e não homens de negócios, nem promotores de algo.

E sobre seu trabalho com Luis Barragán?
Apesar de Barragán [1902-88] ter transmitido a imagem de um monge, era um bon vivant. Um homem com impressionante sentido de estética, boêmio, ligado ao momento. Era muito metódico e de um refinamento extraordinário: se marcava um chá para as cinco e quinze da tarde, era porque nesse momento a luz batia na fonte, os pássaros se aproximavam. Eu o defino mais como um criador de ambientes maravilhosos do que como um arquiteto. Era um homem muito divertido e elegante, e transmitia isso aos seus espaços. Nunca quis se indispor com ninguém, e eu reclamava sobre isso com ele. Com todo o seu talento, por que não realizava mais obras? Acontece que, se havia algum problema, ele se retirava.

De qual trabalho de Barragán o senhor gosta mais?
Há dois, em especial. Um é a sua casa [construída em 1942 na Cidade do México e, desde 2004, eleita pela Unesco patrimônio mundial]. A outra é a capela para um convento de monges, que é de uma preciosidade maravilhosa.

Entre os seus projetos, qual o preferido?
São seis: meus seis filhos.

Algum deles é arquiteto?
Apenas um, que trabalha comigo no escritório [Víctor Legorreta tornou-se sócio do pai e, desde o início dos anos 1990, o escritório passou a se chamar Legorreta + Legorreta]. Para mim, as obras estão muito relacionadas ao momento pessoal do arquiteto. Nas ocasiões em que rompi amarras na minha vida, comecei a fazer arquitetura de forma mais livre e com menos preocupação. Por exemplo, quando projetei o Camino Real [hotel na Cidade do México] fazia pouco tempo que tinha me recuperado de uma doença que quase me tirara a vida. Era para mim, então, um momento de muita energia e vigor.

E quanto à catedral de Manágua?
A Nicarágua enfrentava sérios problemas com a fome. Um norte-americano, disposto a ajudar, comprometeu-se a dar dez dólares para cada dólar arrecadado pela população nicaragüense, mas eles não tinham esse dinheiro. Venderam coisas nos Estados Unidos, conseguiram juntar 300 mil dólares e ganharam 3 milhões. E fizemos a catedral. Pensei que para um projeto como esse era preciso ir a Roma, pedir autorização ao papa. Nada disso. O projeto foi discutido com o cardeal, aprovado através da maquete e pronto. O dia da inauguração foi verdadeiramente emocionante, uma cerimônia de que participaram representantes da Igreja católica de toda a América Latina. O cardeal se desculpou com quem ficou de fora da capela, umas 6 mil pessoas. Era tanta gente, descalços, carregando seus filhos, cantando. Foi quando compreendi com clareza que nós, arquitetos, somos agentes sociais. Não somos gênios, a fazer monumentos para nós mesmos.

Recentemente, de que trabalho o senhor gosta mais?
Estou projetando uma capela para a casa de Matão, e me encontro apaixonado por ela. Claro que há a ressalva feita por todos os arquitetos, de que a obra preferida é a que se conceberá amanhã. Na arquitetura, somos fabricantes de sonhos.

O senhor lecionou na Universidade da Califórnia, com Charles Moore [1925-93], a partir de 1985. Que lembranças tem dessa época?
Charles foi um dos melhores educadores que conheci. Em geral, o professor se sente obrigado a criticar os alunos, apontar os erros. Charles sempre começava mostrando o que estava bom e depois, como conseqüência, apontava o que estava ruim. Despertava muito entusiasmo nos estudantes, tinha uma mente muito aberta. E, embora fizéssemos arquiteturas quase opostas, era excepcional nossa comunhão de pensamento. Nos anos 1980, fizemos intercâmbio de alunos: o grupo de Charles Moore, de Austin ou de Los Angeles, fazia um projeto no México, e meu grupo fazia um projeto em Los Angeles.

Era a época da piazza d’Italia, certo? Que repercussão teve esse projeto de Moore?
Uma loucura. Mas isso era Charles Moore. Há um episódio que me impressionou muito. Daríamos uma conferência juntos, sobre fontes de inspiração. Não consegui me encontrar nem falar por telefone com Charles durante todo o mês precedente, para ajustarmos os detalhes da apresentação. No dia da conferência, ele chegou com uma caixa cheia de diapositivos. Muito amavelmente, perguntou-me quem eu gostaria que começasse, e sempre que se pergunta isso a um latino dizemos “Você primeiro”. Todos os diapositivos de Charles eram sobre o México, metade deles mostrava os mesmos lugares sobre os quais eu falaria. Brincando, disse-lhe que ele que era um traidor, que havia se escondido e aparecera naquele momento para roubar a minha fala. Charles me pediu, então, para repetirmos os diapositivos lado a lado e, com isso, alertou os espectadores para as diferenças de visão entre um norte-americano e um mexicano. A apresentação se tornou uma maravilhosa lição de critérios e culturas diferentes.

E seu projeto para a reconstrução do centro da Cidade do México?
Participei em vários âmbitos, como consultor pessoal do prefeito para problemas específicos, ou ainda assessorando investidores que compraram edifícios ou casas na região. Fizemos alguns projetos de restauração e um outro, que terminamos há pouco mais de um ano, de todo um bloco que estava muito danificado pelos tremores de terra. Fizemos a Secretaria de Relações Exteriores e o Tribunal de Justiça Familiar ao redor de uma igreja colonial, em uma praça. Mas a recuperação do centro histórico vai demorar ainda muito tempo. A região ficou abandonada por mais de 50 anos. Não dá para arrumar tudo em apenas cinco.

Em sua visão, a arquitetura tem grande conexão com o sítio da implantação, com as pessoas e sua cultura. O senhor é otimista em relação ao destino das cidades?
O que não tem relação com o entorno não é arquitetura, é construção. Nós, arquitetos, temos de nos concentrar seriamente na tarefa de fazer cidades melhores, temos de pensar que a vida é mais importante do que os edifícios. Para comprovar isso, há um exercício infalível: enfileire os 13 edifícios mais premiados no último ano e, com isso, fará a rua mais feia do mundo.
Sem harmonia não há beleza. É isso o que existe em Barcelona, assim como no Rio de Janeiro. Atualmente, estamos sob o domínio absoluto do automóvel. Creio que o grande mérito de Richard Rogers foi o que ele fez por Londres, uma cidade que estava muito mal 20 ou 30 anos atrás e, agora, é uma maravilha. Paris, por exemplo, é extraordinária, mas as citès nouvelles são um desastre.

O senhor conhece Brasília?
Sim, eu a visitei quando a cidade completava um ano e voltei agora, em 2006. Tem defeitos, mas acho que eles não estão relacionados com a arquitetura, e sim com a economia e a política. É preciso solucionar essas diferenças econômicas, de educação. Acho que, nos edifícios, Niemeyer conseguiu um feito inédito, que é obter a monumentalidade no sentido horizontal. Quando pensamos em algo monumental, vem logo à mente a noção de altura, mas o Ministério das Relações Exteriores, por exemplo, tem uma monumentalidade extraordinária. Os edifícios de apartamentos, assentados sobre pilotis, parecem um convite à vida em comunidade. Tem-se, contudo, que resolver o problema dos automóveis: a grande avenida é um rio intransponível. Mas creio que há mais coisas positivas do que negativas. Hoje, pode-se até discutir se a decisão de construir Brasília naquele lugar foi correta ou não, mas é muito fácil discutir isso agora.
Em Brasília, como no México, há muita conexão entre a arquitetura e as artes.
Sim, e isso não exclusivamente no que diz respeito a trabalhar com artistas, mas também a converter os edifícios em peças de artes plásticas. São trabalhos extraordinários, e Brasília é uma obra exemplar.

Falando sobre artes plásticas, o senhor se inspirou no pintor mexicano Chucho Reyes [1882-1977]?
Sim, foi ele que me ensinou o conceito de cor. Como era um artista autodidata, não tinha educação acadêmica, pintava as cores por gosto, não seguia as regras de combinação. Ele me deu a melhor descrição sobre isso. Certa vez, disse-me que o bonito era o bonito. Eu então lhe perguntei quem, afinal, decidia o que era bonito. “Eu mesmo”, ele me respondeu. Foi ele que me ensinou que a cor é a alegria da vida, mais do que um elemento da arte.

O senhor conviveu com Reyes?
Eu o conheci quando ele era mais velho, mas agora, pensando bem, acho que ele tinha similaridades com Niemeyer. Morreu aos 95 anos e tinha um amigo com 98. Foram ao mercado de antigüidades, gostaram de uma peça, creio que era um Cristo, e Reyes disse ao amigo que deixasse que ele mesmo a comprasse, porque viveria um ano a mais do que o amigo. Hoje pela manhã [a entrevista foi feita na tarde do dia 19 de setembro de 2007] estive com Niemeyer no Rio de Janeiro, e é impressionante como ele continua trabalhando.

Falavam sobre arquitetura?
Ele não dava muita importância à arquitetura, ria dos arquitetos. Uma vez disse para Barragán que as Torres de Satélite [conjunto de cinco esculturas triangulares implantadas na Cidade do México], projetadas com o pintor Mathias Goeritz, eram na verdade de autoria dele, Chucho Reyes. Barragán não gostou nem um pouco.

2 comentários:

Anônimo disse...

Esse Arquiteto dever ser um fofo, olha que respostas mais belas ele deu!
SUPER MEGA DIGNO E VÁLIDO! :* Brunão

cuka* disse...

olha a carinha dele!